O papel da coparticipação nos contratos de planos de saúde e a importância da sua regulamentação pela ANS

Como é sabido por todos, existe a expectativa de, ainda no ano de 2023, ser introduzida uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre o tema “Mecanismo de Regulação Financeira”, uma vez que o assunto está dentre os temas prioritários para a Agenda Regulatória do triênio 2023-2025 - com a previsão de término da AIR no 3º trimestre/2023 – informação extraída do sítio institucional eletrônico da ANS no link https://www.gov.br/ans/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-da-sociedade/agenda-regulatoria

A coparticipação - que é um mecanismo de regulação financeira - tem sido bastante discutida atualmente, já que a maioria das operadoras buscam cada vez mais os produtos com essa característica para tentar, de alguma forma, mitigar os riscos da operação, diante do cenário de tantas incertezas que o setor vem enfrentando.

O que nos leva a refletir sobre o verdadeiro papel da coparticipação nos contratos de planos de saúde e o impacto ocasionado pela ausência de um comando normativo que estabeleça de forma mais assertiva as regras e os critérios desse instituto.

Em linhas gerais, existe o entendimento de que a coparticipação serve como uma forma de compartilhamento de riscos mitigado, no qual a operadora e o usuário do plano dividem o custo dos atendimentos realizados, ao passo que também pode ser interpretada como um fator que visa inibir o uso de forma irresponsável do plano de saúde.

Fato é que nas duas interpretações – que, a meu ver, são conceitos complementares, pois uma não anula a outra – a coparticipação não poderá inviabilizar o custeio do plano pelos usuários para que a cobertura assistencial seja prestada de forma efetiva. 

Nesse sentido, é fundamental reforçar que o tema carece de uma regulamentação mais específica da ANS, tendo em vista que atualmente a única normativa em vigor, Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº 08, foi elaborada em 3 de novembro de 1998, ou seja, antes mesmo da vigência da Lei nº 9.656/1998.

Diante da ausência de normas positivadas, no meu entendimento, cria-se um precedente regulatório onde “quase tudo” é permitido, desde que previsto contratualmente com a observância dos rasos critérios dispostos na supracitada Resolução do CONSU, que estabelece algumas vedações que podem ser consideradas um tanto subjetivas, tais como:

 

  • “(...) IV - estabelecer mecanismos de regulação diferenciados, por usuários, faixas etárias, graus de parentesco ou outras estratificações dentro de um mesmo plano;
     
  • (...) VII - estabelecer co-participação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços; “ (GN)
     

Indaga-se, assim, o que de fato a ANS considera como um fator restritor severo ou quais seriam as outras estratificações dentro de um mesmo plano. Pois bem, não há na regulamentação setorial vigente normativa que discipline de forma clara tais conceitos.

É válido, portanto, voltar ao tempo e recordar que já houve por parte da ANS a iniciativa de positivar e aperfeiçoar os critérios que envolvam os mecanismos de regulação financeira, no ano de 2018, com a edição da Resolução Normativa nº 433, atualmente revogada.

A referida normativa foi revogada pela ANS em setembro de 2018, mas já se encontrava suspensa por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), à época a norma recebeu severas críticas dos órgãos de defesa do consumidor, o que ocasionou em um grande apelo popular e político. 

De toda forma, a revogação da normativa pode ser considerada um retrocesso, voltando à lacuna na regulamentação por parte da ANS, porém não afastou a importância da regulamentação do assunto pelo órgão regulador.

Não obstante, convém repisar que, no texto normativo (revogado) havia uma vedação quanto ao estabelecimento de mecanismos de regulação financeira diferenciados por doenças e/ou patologia, ressalvada hipótese de internação psiquiátrica, desde que previsto no contrato firmado entre as partes.

Entretanto, era facultado às operadoras definirem valores e/ou percentuais, conforme o caso, distintos e escalonados por grupos de procedimentos, considerando o custo e a complexidade destes.

Sobre esse ponto, surge um debate importante no que diz respeito a estipular em contratos percentuais ou valores de coparticipação, a depender do método ou técnica indicada pelo profissional de saúde como forma de tratamento, em caso de pacientes com diagnóstico de Transtornos Globais de Desenvolvimento, entre os quais está incluído o TEA - Transtorno Espectro Autista.

Ou seja, em uma situação hipotética seria possível definir em contrato valores/percentuais distintos de coparticipação para as terapias que utilizam o “método ABA” (maiores), enquanto para as terapias que utilizam o método “Denver” o contrato estipulasse valores/percentuais menores?

Veja que, embora a regulamentação vigente garanta tal cobertura, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (atual RN nº 465/2021) não determina quais são os métodos/técnicas que serão de cobertura obrigatória, ficando a cargo do profissional assistente ou terapeuta a sua indicação, logo, não existem códigos TUSS (Terminologia Unificada de Saúde Suplementar) específicos para os atendimentos que utilizam métodos/técnicas.

Para esse tipo de situação, tendo em vista a ausência de vedação expressa não haveria, em tese, impedimento regulatório para que a operadora firme em seus contratos valores ou percentuais diferenciados, a depender do tipo da técnica, método ou abordagem utilizada pelo profissional de saúde. 

Contudo, entende-se que há espaço para discussão, com o seguinte questionamento: “As operadoras estariam tratando os beneficiários de forma discriminatória, diferenciando os valores/percentuais de coparticipação em virtude do tipo de tratamento necessitado pelo beneficiário?”

Ademais, eventualmente, seria uma questão de estímulo ao não uso de algumas linhas de tratamento, em razão dos valores/percentuais mais expressivos previstos no dispositivo contratual?

Na regulamentação setorial em vigor não há, ainda, uma resposta objetiva para tais questionamentos, o que muito se escuta é que, a coparticipação deve estar estipulada em contrato, seguindo as regras de Resolução do CONSU nº 08/1998, que a meu ver pouco regulam o tema com esse nível de detalhe, ampliando o campo das incertezas e estimulando cada vez mais o crescimento das judicializações no setor.

Por oportuno, ressalta-se também que, com a obrigatoriedade da cobertura de métodos e técnicas, bem como a ilimitação da cobertura dos atendimentos em fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional, as operadoras de planos de saúde têm enfrentado muitos desafios para garantir tais coberturas, que vão desde a busca por profissionais de saúde aptos e certificados para os tratamentos indicados, até a dificuldade na negociação dos valores a serem praticados na rede assistencial, portanto, estabelecer coparticipação nos contratos têm sido uma forma de atenuar os eventuais riscos.

É indiscutível, portanto, que a coparticipação contribui para a sustentabilidade do setor, seja para proporcionar o compartilhamento dos riscos, seja para mitigar o uso desordenado e inconsciente do plano de saúde, no entanto, o tema necessita de uma normatização atual que esteja em sintonia com os avanços e as necessidades da sociedade como um todo. 

Essas são as minhas considerações.

Débora de Figueiredo Coelho
Especialista Jurídico
Gestão de Regulação

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